terça-feira, 11 de outubro de 2011

A fome que escandaliza o mundo



Essa era a manchete estampada na primeira página do jornal de ontem. E a matéria continuava: Uma em cada sete pessoas em todo planeta passa fome e cerca de seis milhões de pessoas morrem por ano sem ter o que comer. Eu não conseguia parar de pensar: escandaliza o mundo... será mesmo? A gente se escandaliza com a fome alheia?

Tem uma música do Tim Maia que diz: "Na vida a gente tem que entender que um nasce prá sofrer enquanto o outro ri". Não consigo gostar dessa letra. Tem gente que diz que é incentivo para lutar, vencer:  "Mas quem sofre sempre tem que procurar pelo menos vir achar razão para viver". Dá vontade de mandar o cara ir pra PQP, fala? E sabe qual é a razão para viver? Um sonho todo azul da cor do mar que dá título à música. Não dá pra cantar isso, não dá pra ler uma manchete dessas e voltar para o dia a dia, sem pensar: Eu tenho que fazer alguma coisa.

O jornal explica que a maior parte dos famintos está na África e na Ásia, mas o Brasil só tem superado a linha da miséria com a ajuda estatal, ou seja, a famosa Bolsa Família. Também explica que a alta dos preços dos alimentos considerados básicos tornou insustentável a alimentação dessas pessoas. Eu sou utópica, sei disso, mas continuo acreditando que a responsabilidade é de todos. Não dá pra olhar nos olhos de uma pessoa com fome e dizer: Desculpe, o estado devia cuidar de você, eu não tenho nada com isso. 

Às vezes o McDonalds faz uma promoção do tipo: venha tomar café de graça (eles dão o cafezinho ou o chocolate quente ou o café com leite, e você compra o pão, o croissant, o sanduíche para acompanhar). É um bom marketing, lota o local. Numa dessas conheci uma senhorinha muito humilde, vestida com simplicidade, as cores das roupas doadas lutando entre si, mas ela se mantinha impecável na sua expressão de idosa que já passou muitos percalços. Eu estava tomando o café com leite de toda manhã, lendo o jornal, quando ela se aproximou sem fazer barulho e me perguntou baixinho: "Moça, a promoção do café não dá direito ao pão também?", checando comigo se o McDonalds a estava ludibriando, pronta para exigir seu direito no balcão. Olhei aquela senhora de pele escura e cabelos brancos, roupas coloridas e descombinadas, mas de uma dignidade comovente. Respondi: "Infelizmente, não! A gente só ganha o café!". A mão apertou a beirada da bandeja e ela olhou desconsolada para o copo de café puro. Parecia que ela tinha se armado de tanta coragem para defender seu direito, só para descobrir que estava enganada. Ela se sentou na mesa atrás da minha e o meu coração se moveu na direção dela. Eu disse: "Você me deixa comprar um pão na chapa para você?" e ela ergueu os olhos rapidamente, assumindo novamente aquela postura digna, afirmando com o corpo que não precisava da minha pena. "Não, não, muito obrigada!". Mas eu não tinha pena dela, eu tinha afinidade e insisti para o meu próprio bem: "Eu já ia comprar um para mim, posso trazer um para você também? Por favor!". Para minha alegria, ela reconsiderou e atendeu ao meu pedido - me deixando fingir por um breve instante que sou boazinha e que a fome mundial me constrange todos os dias.

Nem em mil anos vou conseguir alimentar 925 milhões de pessoas que não têm o que comer. Provavelmente na próxima semana não vou me lembrar desse número, talvez me esqueça da reportagem que escandaliza o mundo. Mas uma coisa eu posso fazer. Se eu encontrar sete pessoas por dia e uma delas me dirigir um olhar quebrantado de quem gostaria de ser contado no grupo dos que riem, um olhar cansado de quem está tentando muito vir a achar razão para viver, eu vou dividir um pão na chapa e com muito gosto vou dizer: Xô, fome, vai se afogar no azul da cor do mar, sua estúpida!

Nenhum comentário:

Postar um comentário