sábado, 22 de outubro de 2011

Café com preguiça


Quarta passada (19/10) fui assistir à palestra do Antônio Cicero sobre poesia e preguiça. o evento faz parte do ciclo Mutações: Elogio à preguiça, que está acontecendo no Teatro da Caixa. Aproveitando a ocasião, passei no Café Cultural, cafeteria do Teatro, que não estava em sua melhor forma. O barista faltou, o fluxo de pessoas para a palestra estava grande e a atendente e o garçom não estavam conseguindo vencer a fila. Quando chegou a minha vez, ela me avisou: "Não estamos servindo café, o barista faltou". Tentei pedir um caldo e ela me desanimou: "Você vai assistir à palestra, não dá tempo!". Por fim, o garçom resolveu fazer as vezes de barista e toda a fila conseguiu café, pedi o mocha. Muito bom, por sinal! A calda de chocolate no fundo da xícara vai adocicando aos poucos o café com a mancha de leite, tornando o paladar mais agradável, depois do choque amargo do primeiro  gole, como o atendimento aquela noite.

As referências poéticas da noite foram Baudelaire, com a expressão fecunda preguiça no poema "A cabeleira"; Vinícius e sua  Poética - "meu tempo é quando"; T.S. Elliot: "um poeta deve conhecer tanto quanto não prejudicará sua necessária receptividade e necessária preguiça". E ainda, Juan Ramon Gimenez:

Te deshojé como una rosa...

Te deshojé como una rosa,

para verte tu alma,
y no la vi.
Mas todo en torno
-horizontes de tierra y de mares-,
todo, hasta el infinito,
se colmó de una esencia
inmensa y viva.

Te desfolhei como uma rosa...

Te desfolhei como uma rosa,
para ver tua alma,
e não a vi.
Mas, em tudo em torno
-horizontes da terra e dos mares-
tudo, até o infinito,
foi inundado por uma essência 
imensa e viva. 

Aprendi que o poema é fruto do trabalho-preguiça do poeta, pois é no momento do ócio que a criatividade se manifesta. Talvez a melhor receita seja, então, uma parada para um café, um bloco de anotações e uma pitada de preguiça para deixar a mente mergulhar "nesse sombrio oceano onde o outro está encerrado" - segundo Baudelaire - deixando as palavras emergirem e se entrelaçarem, formando sons e causando silêncios. Você vem?

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