quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O essencial x o supérfluo

Esses dias de folga estão me fazendo bem e mal. É muito legal não me preocupar com o relógio a maior parte do dia, e correr apenas por diversão, sem pensar nas responsabilidades do trabalho. Por outro lado, a gente fica com tempo livre para pensar (ô tormento!!) na vida e o senso crítico vai se exacerbando. 
Estava correndo no parque e ouvindo rádio no celular - esses aparelhinhos são fantásticos, tô procurando um que lave e passe e dobre lençol de elástico - e ouvi uma propaganda que eu considerei tão esnobe, tão supérflua, tão... tão... Era sobre um shopping da cidade e a mulher ia comentando uma lista e dizendo que estava com a vida resolvida porque conseguiu fazer tudo nesse shopping: malhar, comprar sapatos, um vestido novo, almoçar em um restaurante caríssimo etc. Achei surreal e pedante.
Não que o supérfluo passe longe de mim - Quem me dera ser imune! - aliás, eu tenho uma verdadeira atração fatal por ele, eu admito. Mas pensar que um cérebro humano, inteligente, dedicado, passou horas pensando em uma propaganda que exalta o consumismo e as desigualdades sociais é deprimente. Dá angústia. 
Em meados de outubro fui a Anápolis com um amiga para visitar outros amigos muito muito queridos e participar de um evento de uma instituição que abriga crianças. Tenho uma amiga linda, por dentro e por fora, que trabalha lá. Ela estava inclusive muito tristonha pois ia se mudar e deixar as crianças. Fui cedinho tomar café com ela e estacionei o carro no pátio do instituto (não se chama mais orfanato, acho que nem mesmo instituto, mas foi assim que conheci esse local há mais de 20 anos) e sai procurando a casa dela. Um grupo de meninas me cercou, garotinhas de 6 anos pra baixo, que acordaram cedo com a animação do aniversário do local e já estavam esperando as visitas. Elas se ofereceram para me "guiar" até a minha amiga. Uma delas, Gabriela, de 3 anos, segurou firme a minha mão, e não soltou mais. Chegamos à casa da Dani e ela firme, segurando minha mão com seus dedinhos finos, se encostando e querendo atenção. Eu conheço esse sentimento, já convivi com ele em um outro orfanato quando era criança.
É um desejo de pertencimento. De ser visto pelo outro, pelo adulto, de ser reconhecido e, principalmente, amado. A mão pequena me pedia colo, abrigo, atenção. Durante as comemorações, eu a vi com outros adultos, buscando abraços e se aninhando no colo das "tias", mexendo em seus cabelos, passando a mão em seus rostos. É o essencial se manifestando no ser humano. Pedindo licença para existir e ter lugar. Ninguém é uma ilha. 
Na semana passada fui a Salvador. Cidade incrível, com um povo lindo, de sorriso fácil e sotaque que embala. Fazendo o tour dos pontos turísticos, constatei como as praias são lindas, a fotografia que harmoniza um céu azul de nuvens brancas, um mar límpido esverdeado, a praia ou um gramado de um verde intenso e coberto de palmeiras. É deslumbrante. Passamos pelas obras de caridade da Irmã Dulce e novamente o essencial bateu nas minhas costas. A dedicação daquela pequena grande mulher em abrigar os pobres e desamparados, a estrutura criada em um hospital totalmente financiado pelo SUS, a emoção da guia ao narrar a vida dessa freira corajosa e dedicada. Não sou católica e isso não importa. A visão do essencial dessa mulher me atingiu como uma lufada de vento fresco no calor de 30 graus de Salvador.
Ontem a noite passei horas "brincando" com amigos no facebook com a charada da girafa. Todo mundo mudando sua foto de perfil e procurando girafas engraçadas ou elegantes para representá-los. O supérfluo é engraçado, atraente, bem apessoado e provavelmente faz academia. Ele é quase irresistível! Fiquei pensando em como seria bom usar toda essa energia para resgatar o essencial. Conclamar os amigos para se engajar em uma causa nobre, lembrar a todos que temos tanto enquanto outros têm tão pouco. Porque é fato que o essencial é mal alimentado, raquítico e mal vestido, ele não se apresenta bem aos nossos olhos e só merece nossa atenção em raras ocasiões, como quando surge uma licença de 30 dias e o tempo é propício para se pensar.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O palhaço e a astronauta

Estou de férias. É uma sensação boa saber que, pelos próximos 30 dias, posso dedicar as 24 horas do dia a mim mesma, ou pelo menos a outras coisas que não estão sob o rótulo TRABALHO no meu dia a dia. Mesmo a rotina de casa não tem urgência. A louça se acumula na pia e eu resisto bravamente ao bichinho do TOC que me cutuca por dentro e repete como um carma: "arruma, arruma, lava, lava". Deixo ele falando sozinho e vou pro parque correr na chuva, vou almoçar na casa de uma amiga, abro um livro e me esparramo no sofá, viajando muitas milhas.
Ontem fui ao cinema. Vi a dica do filme GRAVIDADE no facebook de um amigo e quis conferir essa perfeição técnica que estavam comentando. Além disso, filme com a Sandra Bullock e o George Clooney não pode ser ruim. 
Parei no sinaleiro, esperando a luz verde, e vi o palhaço. A fantasia era novinha, muito bem feita, colorida e com uma estampa de bom gosto. A peruca azul brilhando ao sol, um laço no alto da cabeça. Ele ia de carro em carro, fazendo reverências para as janelas escuras e fechadas que pareciam dizer: "Não enche!". Trazia nas mãos uns pirulitos vermelhos de coração e o sorriso era tão espontâneo que ganhou o meu. Abri mais o vidro (ele está sempre aberto para horror das minhas amigas que andam comigo e preferem o ar condicionado, que eu não suporto, e a falsa segurança da janela erguida, que eu não adoto) e estiquei o braço com uma moeda na mão. 
Ele veio gingando, com os sapatos gigantes, mas antes de estender a mão para pegar a moeda, estendeu-me o rosto alegre e sorridente e me desejou felicidades. Também me ofereceu dois pirulitos pela moeda coletada, mas eu disse que não precisava, porque não era uma compra, era uma troca, e do meu ponto de vista, eu ofereci muito pouco e ganhei muito com o sorriso de um idoso esperançoso que encontrou um jeito criativo de "sobreviver" nesse mundo de mazelas.
O filme era mesmo muito bom. A técnica de filmagem espelhava com perfeição o espaço, a falta de som, de gravidade. Mas o que realmente me fez segurar o fôlego uma boa parte do filme foi o instinto de sobrevivência, a força que se manifesta no ser humano em momentos extremos, de incrível perigo e em condições que poderiam ser insuportáveis, mas que nos fazem tomar a decisão de viver, de resistir a tudo, e a tudo combater para permanecermos vivos. 
Encontrei dois heróis em um só dia, quem diria, uma aspirante a astronauta e um palhaço que distribui sorrisos no sinaleiro! Que dia de sorte!