sexta-feira, 28 de outubro de 2011

amor de filha


Pais e filhos


Essa foi uma semana singular. Parece que eu vivi um mês em sete dias. Conversei com Gandhi, fiz aula experimental de Pilates (tudo de bom!), fui aprender sobre a verdadeira preguiça no Teatro da Caixa, tomei um Mocha simplesmente delicioso lá, encontrei um novo amigo, e fechei a semana com uns conselhos dados pessoalmente pelo Içami Tiba.

Essa figura especial é psiquiatra e escritor de livros sobre educação familiar. Ele me lembra o menino maluquinho, só que velhinho! Ele tem um jeito especial de conversar com a platéia - estávamos todos rindo muito das verdades engraçadas que ele semeou. Duas coisas me marcaram na palestra do Dr. Içami Tiba.

Primeiro, ele disse algo que a gente devia ter sempre em mente: "Quando alguém faz algo ruim conosco, apenas 10% do nosso mal estar são causados por essa pessoa, os outros 90% são causados pelo que nós mesmos fazemos depois". A amargura cultivada, os pensamentos que mantemos sobre aquele assunto, os quais fermentam nossa tristeza e atitude negativa. Essas sim são as causas da nossa tristeza, depressão e mal estar. A importância que damos à atitude ruim de alguém é que faz tudo ficar pior.

Depois ele falou sobre o relacionamento de pais e filhos, com muita segurança e tranquilidade, explicando com naturalidade os erros mais comuns que os pais cometem na educação dos filhos e que resultarão em tantas atitudes e situações ruins para aqueles que mais amamos: os nossos filhos. Quando vi o aviso por e-mail sobre a palestra, pensei que não havia porque assisti-la. Eu só tenho um filho, 19 anos, um adulto ou quase lá, criado da melhor maneira que consegui. Até falei a alguns colegas: "se eu for, será apenas para descobrir se agi direito!"

Mas a palestra valeu a pena! Lembrei de tantos episódios que me pareciam distantes, mas que aconteceram ontem. Não sei que nota tirei como mãe, mas sinto orgulho do filho que tenho. Inteligente, bem humorado, responsável (dentro dos limites de responsabilidade que se pode ter aos 19 anos, ele vai bem). O doutor ilustrou sua palestra com a atitude de guardar os brinquedos. Filhos que não guardam seus brinquedos, não são responsáveis (em outras palavras), no futuro podem não ser responsáveis pelos pais (velhinhos que precisam de atenção). Levá-los para tomar sol e esquecê-los por lá, esturricando, até que a noite chegue com o frio que vai causar a pneumonia que vai levá-los à morte. Eu sei, gente, é assustador, mas a gente riu muito com a forma que ele explicou. Exceto pelo fato de que ninguém quer ser vítima do filho que não guardou seus brinquedos e não aprendeu a ser responsável.

Estou adiando o projeto de me sentir velhinha para daqui a uns 30 anos, pelo menos. Também não pretendo ser uma velhinha dependente, mas é bom saber que se a dependência chegar, eu não vou ficar esturricando ao sol ou congelando sozinha numa noite qualquer. Obrigada, filhote!

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Vivendo e aprendendo


Faça o que eu digo... e faço!


Gandhi esteve no meu trabalho esta semana. Ele é realmente um cara legal! Explica tudo com uma facilidade, tem um comportamento tão coerente e parece saber muito sobre a vida. Foi um papo interessante. Não, gente, não estou alucinando (ainda não). O ator João Signorelli apresentou a peça "Monólogo de Gandhi" e o fez muito bem, por sinal. Ele se veste como o líder político e espiritual, com a cabeça raspada e o corpo um pouco encurvado, realmente lembra o pacifista imortalizado na história da Índia. 

O monólogo produziu reflexão nos presentes ao evento. Calou fundo em mim o fato de Gandhi liderar pelo exemplo, exigindo dos outros o que ele mesmo cumpria. "Felicidade é quando o que você pensa, o que você diz e o que você faz estão em harmonia!". Obrigada pela dica, Gandhi!

Também fui beber a água da preguiça no Teatro da Caixa. O leitor preguiçoso, como tão bem explicou Francisco Bosco, é aquele que aprecia o livro em pequenas doses, tomando tempo para refletir nele, principalmente quando se trata do texto de gozo, que faz o leitor reescrever o que lê. Fiquei contente, porque me descobri uma leitora assim, que mastiga, saboreia e mergulha nas palavras da história. Lendo "Trem noturno para Lisboa", descobri que era impossível caminhar a passos largos pelo livro. Tudo me fazia parar, refletir, sentir, analisar, sonhar, desconstruir o real dentro de mim, comparar, polir, esmiúçar, para reconstruir um real completamente diferente. 

Como bem disse Fernando Pessoa, "cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmos. Por isso aquele que despreza o ambiente não é o mesmo que dele se alegra ou padece. Na vasta colônia do nosso ser há gente de muitas espécies, pensando e sentindo diferentemente". 

Até agora a semana tem sido cheia de contenteza (contrário de tristeza - qualquer coincidência com Guimarães Rosa é pura semelhança), o que dá um pouco de medo, porque, se depois da tempestade vem a bonança, consequentemente, o inverso pode acontecer, certo? Mas, com o otimismo que me é inerente, vou varrer essas preocupações da alma e me concentrar no que realmente importa, como Miguelito explicou com tanta propriedade para Mafalda: viver!

Um feito memorável, pois, já dizia Guimarães Rosa: "O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem".

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Preguiça sem culpa


Curtindo o ócio não criativo


Segundo a igreja católica, a preguiça é um pecado mortal. Na sociedade capitalista, o preguiçoso é um pária que não procura "melhorar" de vida. Eu tenho ouvido que a preguiça verdadeira, verdadeira mesmo, traz a criatividade do artista à tona, o que se converte em produtividade e das boas.

Não é que eu seja artista, mas ando procurando por esse tipo de preguiça sem culpa. Enquanto não encontro, passei o fim de semana inteiro curtindo a preguiça "normal". Aquela que faz você arrastar os pés, levantar da cama e cair no sofá, esquecer se é hora do café (pensem, eu esquecendo o café?) ou do almoço, e por aí vai! Mas a questão é que essa preguiça dá sentimento de culpa e dos grandes!

Quando eu já estava quase criando limo no sofá, resolvi ativar os neurônios e ordenar, com muita veemência, ao meu corpo que se movesse e fosse procurar o que fazer (oh culpa católica! e eu nem católica sou!). Já era fim de tarde, mas o horário de verão ajuda a esticar o dia, então fui ao cinema, sessão dupla!

Ir ao cinema para mim é um ótimo programa, mas eu preciso de alguns preparativos. Morro de frio com o ar condicionado do local, então, venham as meias, botas, suéteres, casacos e, dependendo da época do ano, luvas e gorros (dispensei esses dois últimos por hoje). Além disso, também preciso de um suplemento alimentar combinado: um pouco de pipoca de sal, um pouco de pipoca doce (se tiver balde, peço para misturar - tá bom, podem dizer: eca! - mas não dá pra ficar sem!), uma coca zero, uma água mineral, acho que vão me dar um carrinho de compras no balcão ou pelo menos uma cesta (eu já tinha avisado aqui antes: eu tenho manias estranhas...).

Com tudo ajeitado, sento na poltrona, no melhor estilo ioga (tiro os sapatos e dobro as pernas sob o corpo) e vou curtir o filme. Hoje assisti Gigantes de aço e Os três mosqueteiros. O primeiro foi falta de opção, mas não me arrependi, dá até para umedecer os olhos. O segundo, bom, Alexandre Dumas criou personagens que grudam no imaginário da gente. A gente nunca se cansa da altivez dos mosqueteiros e do orgulho gascão de D'Artagnan, por isso qualquer versão é bem-vinda. Gostei dos dois filmes, que não me encantam como um Woody Allen (Meia-noite em Paris é maravilhoso!), mas me divertiram um bocado.

Lembrei agora que passei todo o fim de semana imersa em tão cativante preguiça que não tomei café, nem café com leite, nem chocolate quente, nem passei perto de uma cafeteria. Dá para perceber agora a gravidade dos fatos? Tenho que me esforçar esta semana para compensar minha falha! (Oh culpa católica!)

sábado, 22 de outubro de 2011

Poética - Vinícius de Moraes


Café com preguiça


Quarta passada (19/10) fui assistir à palestra do Antônio Cicero sobre poesia e preguiça. o evento faz parte do ciclo Mutações: Elogio à preguiça, que está acontecendo no Teatro da Caixa. Aproveitando a ocasião, passei no Café Cultural, cafeteria do Teatro, que não estava em sua melhor forma. O barista faltou, o fluxo de pessoas para a palestra estava grande e a atendente e o garçom não estavam conseguindo vencer a fila. Quando chegou a minha vez, ela me avisou: "Não estamos servindo café, o barista faltou". Tentei pedir um caldo e ela me desanimou: "Você vai assistir à palestra, não dá tempo!". Por fim, o garçom resolveu fazer as vezes de barista e toda a fila conseguiu café, pedi o mocha. Muito bom, por sinal! A calda de chocolate no fundo da xícara vai adocicando aos poucos o café com a mancha de leite, tornando o paladar mais agradável, depois do choque amargo do primeiro  gole, como o atendimento aquela noite.

As referências poéticas da noite foram Baudelaire, com a expressão fecunda preguiça no poema "A cabeleira"; Vinícius e sua  Poética - "meu tempo é quando"; T.S. Elliot: "um poeta deve conhecer tanto quanto não prejudicará sua necessária receptividade e necessária preguiça". E ainda, Juan Ramon Gimenez:

Te deshojé como una rosa...

Te deshojé como una rosa,

para verte tu alma,
y no la vi.
Mas todo en torno
-horizontes de tierra y de mares-,
todo, hasta el infinito,
se colmó de una esencia
inmensa y viva.

Te desfolhei como uma rosa...

Te desfolhei como uma rosa,
para ver tua alma,
e não a vi.
Mas, em tudo em torno
-horizontes da terra e dos mares-
tudo, até o infinito,
foi inundado por uma essência 
imensa e viva. 

Aprendi que o poema é fruto do trabalho-preguiça do poeta, pois é no momento do ócio que a criatividade se manifesta. Talvez a melhor receita seja, então, uma parada para um café, um bloco de anotações e uma pitada de preguiça para deixar a mente mergulhar "nesse sombrio oceano onde o outro está encerrado" - segundo Baudelaire - deixando as palavras emergirem e se entrelaçarem, formando sons e causando silêncios. Você vem?

quarta-feira, 19 de outubro de 2011


Quem toma café seus males espanta!

A CAPELLA CAFÉ é um lugar que acolhe. Na esquina de um bloco da 109 norte, essa cafeteria tem jeito de nordeste. Além do café gostoso, que lá eu sempre tomo com leite, a tapioca, o cuscuz e o escondidinho, todos acompanhados de carne seca, me trazem boas lembranças da infância.

Quando chego na Capella tenho a impressão de estar na cozinha da minha mãe, esperando um café da manhã nordestino caprichado. Mesmo que seja à meia-noite. Comida que conforta, que acalenta e nutre. Que esquenta a barriga, como diz minha irmã Dadá, e o coração também.


Além disso, o nome me remete a uma arte que eu amo: música. Cantar a capela é um feito notável, que comprova a excelência do cantor. Eu já cantei a capela em corais, não por ser excelente, mas por ser perseverante. A música transforma as situações. Quem canta seus males espanta, com certeza!

Quem nunca sentiu a angústia saindo de fininho quando começou a cantar uma música que gosta: "Eu fico com a pureza da resposta ds crianças, é a vida, é bonita e é bonita...". Não tem espaço pra tristeza mesmo que a música conte uma história triste. Parece que cantar a tristeza, ajuda a achar a saída, a melhorar o ânimo, a entender que "mas é claro que o sol vai voltar amanhã!"

Eu sinto isso nos hinos. A música sacra tem esse dom de mover a alma. Derramar luz no coração quando a escuridão está espreitando, rondando. Um coral cantando é muito lindo de se ver e de participar! saudades! As vozes que se entrelaçam e combinam, fazendo a harmonia que enleia os ouvintes. Uma cantata de Natal, a melodia de Bach, é festa e fé, canção e história, vida e sentimento! Não quero discutir crenças, mas trazer à memória o que pode dar esperança!


E sendo perseverante, vou cantando vida afora, no chuveiro, no parque, no carro. É engraçado quando você percebe que as pessoas estão te olhando e pensando: que mulher maluca! Mas é uma maluquice tão boa, não tem problema ser diagnosticada com ela. Se eu vejo um rosto espantado, sorrio e canto com o Gonzaguinha: "Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz. Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita e é bonita!"



sábado, 15 de outubro de 2011

Grená, Vermelho, Red


Grená é uma palavra derivada do francês grenat e significa "da cor da granada", essa pedra preciosa da ilustração. Ontem fui tomar café no Grenat, na 201 sul, com alguns amigos experts no assunto e achei que tinha entrado no Incrível Mundo da Red. A decoração seguia o tom do nome do local e eu me senti completamente em casa. A Sandra e o Wagner me batizaram de Red em 2004, por causa do cabelo vermelho à época, e o apelido combinou comigo porque eu era red por dentro desde sempre.

Eles já são frequentadores do Grenat e, ao nos levarem, eu e a Gina, para conhecermos o café, conseguiram mais duas inscrições para o fã clube. Que lugar fantástico! 

Vou contar um segredo. Eu escolho os lugares que gosto de frequentar baseada em muitos quesitos, mas um dos principais é o tipo de assento. Uma cadeira desconfortável, tira todo o prazer que existe na arte de se "deixar ficar", sabe como é? Uma cafeteria não é um local para se beber café, é claro que vocês sabem disso. Uma cafeteria é um lugar para se "deixar ficar". Você avalia as mesas, o conforto da cadeira ou poltrona, se o som ambiente te envolve ou assusta, se a iluminação favorece a investigação discreta que você faz das pessoas que transitam no local e que alimentam sua imaginação, a direção do vento, a visibilidade das estrelas e assim por diante.

Se não fosse por mais nada, o Grenat ganharia assento no meu coração pelos sofás e poltronas confortáveis e vermelhos que eu encontrei lá. Mas o cardápio é incrível e o café... ah, o café... sem palavras!

Além do expresso maravilhoso, tomei suco de café (o nome em inglês é mais chique, lógico: grenat fruit coffee). Pêssego, tangerina, gelo e café. Uma bebida dos deuses, recomendo a todos.

Para coroar uma noite tão saborosa, a companhia alegre dos meus amigos e a descoberta de que em Brasília também se pode fazer amizade com o pessoal da mesa ao lado, mesmo que a gente pareça meio atrevidos no começo, querendo saber o que eles estão comendo ou bebendo e dando palpite na conversa alheia, se o café já fez efeito, surgem as afinidades e trocam-se figurinhas sobre tudo e nada.

Nas minhas férias, que estão chegando, thank God, Vou tirar uma tarde inteirinha para desfrutar dos sofás do Grenat. Com meu livro da vez a tiracolo, só saio de lá quando a carruagem virar abóbora... ou tomate, para combinar com a decoração!


quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Ode to joy or what a mess!!


A magia da infância


Dia das Crianças. Feriado no meio da semana. Dia de curtir zoológico, parque de diversões, filmes infantis, teatro de bonecos, tudo que a criançada adora. Para o adulto que não tem um pequenino para cuidar, dia de lembrar a infância.

Por que será que a gente quer tanto crescer? Ser adulto é tão chato, sobram obrigações e a diversão brinca de pique-esconde conosco. Se a gente adivinhasse quando criança o quanto adulto sofre com a tal responsabilidade, faríamos como Peter Pan: é proibido crescer! 

Na minha infância, o céu era o limite. A rua era extensão de casa, qualquer coisa virava brinquedo e a vizinhança era o nosso domínio. Boneca, bete, enfinca, elástico, pião, bilboque, queimada, pique-pega, bola de gude, amarelinha, banho de chuva, o mundo mágico do faz-de-conta. Como era fácil se divertir!

Divulgaram uma campanha no Facebook: escolha um personagem de história em quadrinhos e mude sua foto até o dia 12 de outubro, para apoiar o movimento contra a pedofilia. Todo mundo tirou o pó das lembranças infantis e os personagens foram aparecendo, muitas She-Ras, Thundercats, Power Rangers, até que os heróis dos anos 70 e 80 começaram a desfilar: Batman, Superman, Homem Aranha, Mulher Maravilha. Eu tirei do baú minha fantasia de Batgirl, lustrei a capa, vesti a máscara e brinquei muito. 

Alguém me perguntou se eu tivesse superpoderes quais seriam e o que eu faria com eles. Eu lembro que na infância eu queria muito ser a Feiticeira, aquela que torcia o nariz uma meia dúzia de vezes e pronto... a mágica acontecia. Eu treinava horas na frente do espelho, imaginando mil formas de utilizar este poder: requebra o nariz, a cama estava arrumada, lençol esticado, cobertas dobradas; requebra de novo, a mesa se enchia de guloseimas; mais uma vez e eu estava sobrevoando o planeta. Também queria ser a Jeannie, a gênio da garrafa do Capitão Nelson, que dobrava os braços, piscava e fazia tudo acontecer. Não, era mais que isso, ela "consertava" tudo. 

Eu queria um superpoder que consertasse tudo. Um estalar de dedos e a divisão de renda do mundo seria completamente justa. Uma piscadinha e as crianças estariam todas a salvo, de pedófilos, agressores, bicho papão e monstros que moram ao lado, ou dentro de casa mesmo.

Queria ter o laço mágico da Mulher Maravilha por alguns dias. Entrar no Congresso Nacional e pedir gentilmente aos políticos que dissessem a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade. O amuleto da Poderosa Ísis transformaria qualquer pessoa no que ela realmente é por dentro e, diante de um espelho, essa pessoa teria que se encarar e tomar uma atitude.

O poder de Magneto reuniria todas as armas do mundo, transformando-as em um metal que só poderia ser utilizado para fazer arte. A telepatia seria um dom generalizado, mas somente para alertar as outras pessoas de perigos. Nunca para sugestioná-las, ler seus pensamentos ou intimidá-las. 

Uma sacudida na varinha mágica do Harry Potter e todas as árvores seriam frutíferas, toda água do planeta seria boa para beber, todos os vales áridos se transformariam em riachos e oásis.

A brincadeira estava muito boa, mas o dia estava terminando e a minha reforma mundial foi adiada por um bom motivo: tomar café com amigos no Cacahuá, na 207 sul. 

O café do fim de tarde, virou o almoço tardio, com a torta de legumes e o suco de laranja. Mas é claro que o café tinha que entrar na equação e eu pedi algo tipo: café com vinho do porto e conhaque, chantilly e chocolate em pó. Quase ganhei o poder de flutuar com essa bebida diferente! Histórias engraçadas, risadas sem fim, um grupo de amigos se despediu do feriado como toda criança saudável faz: encontrando alegria e prazer nas coisas simples da vida!

Sabedoria não tem idade


terça-feira, 11 de outubro de 2011

Ilha das Flores


A fome que escandaliza o mundo



Essa era a manchete estampada na primeira página do jornal de ontem. E a matéria continuava: Uma em cada sete pessoas em todo planeta passa fome e cerca de seis milhões de pessoas morrem por ano sem ter o que comer. Eu não conseguia parar de pensar: escandaliza o mundo... será mesmo? A gente se escandaliza com a fome alheia?

Tem uma música do Tim Maia que diz: "Na vida a gente tem que entender que um nasce prá sofrer enquanto o outro ri". Não consigo gostar dessa letra. Tem gente que diz que é incentivo para lutar, vencer:  "Mas quem sofre sempre tem que procurar pelo menos vir achar razão para viver". Dá vontade de mandar o cara ir pra PQP, fala? E sabe qual é a razão para viver? Um sonho todo azul da cor do mar que dá título à música. Não dá pra cantar isso, não dá pra ler uma manchete dessas e voltar para o dia a dia, sem pensar: Eu tenho que fazer alguma coisa.

O jornal explica que a maior parte dos famintos está na África e na Ásia, mas o Brasil só tem superado a linha da miséria com a ajuda estatal, ou seja, a famosa Bolsa Família. Também explica que a alta dos preços dos alimentos considerados básicos tornou insustentável a alimentação dessas pessoas. Eu sou utópica, sei disso, mas continuo acreditando que a responsabilidade é de todos. Não dá pra olhar nos olhos de uma pessoa com fome e dizer: Desculpe, o estado devia cuidar de você, eu não tenho nada com isso. 

Às vezes o McDonalds faz uma promoção do tipo: venha tomar café de graça (eles dão o cafezinho ou o chocolate quente ou o café com leite, e você compra o pão, o croissant, o sanduíche para acompanhar). É um bom marketing, lota o local. Numa dessas conheci uma senhorinha muito humilde, vestida com simplicidade, as cores das roupas doadas lutando entre si, mas ela se mantinha impecável na sua expressão de idosa que já passou muitos percalços. Eu estava tomando o café com leite de toda manhã, lendo o jornal, quando ela se aproximou sem fazer barulho e me perguntou baixinho: "Moça, a promoção do café não dá direito ao pão também?", checando comigo se o McDonalds a estava ludibriando, pronta para exigir seu direito no balcão. Olhei aquela senhora de pele escura e cabelos brancos, roupas coloridas e descombinadas, mas de uma dignidade comovente. Respondi: "Infelizmente, não! A gente só ganha o café!". A mão apertou a beirada da bandeja e ela olhou desconsolada para o copo de café puro. Parecia que ela tinha se armado de tanta coragem para defender seu direito, só para descobrir que estava enganada. Ela se sentou na mesa atrás da minha e o meu coração se moveu na direção dela. Eu disse: "Você me deixa comprar um pão na chapa para você?" e ela ergueu os olhos rapidamente, assumindo novamente aquela postura digna, afirmando com o corpo que não precisava da minha pena. "Não, não, muito obrigada!". Mas eu não tinha pena dela, eu tinha afinidade e insisti para o meu próprio bem: "Eu já ia comprar um para mim, posso trazer um para você também? Por favor!". Para minha alegria, ela reconsiderou e atendeu ao meu pedido - me deixando fingir por um breve instante que sou boazinha e que a fome mundial me constrange todos os dias.

Nem em mil anos vou conseguir alimentar 925 milhões de pessoas que não têm o que comer. Provavelmente na próxima semana não vou me lembrar desse número, talvez me esqueça da reportagem que escandaliza o mundo. Mas uma coisa eu posso fazer. Se eu encontrar sete pessoas por dia e uma delas me dirigir um olhar quebrantado de quem gostaria de ser contado no grupo dos que riem, um olhar cansado de quem está tentando muito vir a achar razão para viver, eu vou dividir um pão na chapa e com muito gosto vou dizer: Xô, fome, vai se afogar no azul da cor do mar, sua estúpida!

domingo, 9 de outubro de 2011

Café da manhã e decisões


Quem consegue...


Tal eleitor, tal político


Quando eu vi este texto pela primeira vez, achei um pouco agressivo e exagerado, mas sabe de uma coisa, é a pura verdade, somos assim mesmo e precisamos urgentemente mudar:

O brasileiro é assim…
1. Saqueia cargas de veículos acidentados nas estradas.
2. Estaciona nas calçadas, muitas vezes debaixo de placas proibitivas.
3. Suborna ou tenta subornar quando é pego cometendo infração.
4. Troca voto por qualquer coisa: areia, cimento, tijolo, dentadura.
5. Fala no celular enquanto dirige.
6. Trafega pela direita nos acostamentos num congestionamento.
7. Para em filas duplas, triplas em frente às escolas.
8. Viola a lei do silêncio.
9. Dirige após consumir bebida alcoólica.
10. Fura filas nos bancos, utilizando-se das mais esfarrapadas desculpas.
11. Espalha mesas, churrasqueira nas calçadas.
12. Pega atestados médicos sem estar doente, só para faltar ao trabalho.
13. Faz gato de luz, de água e de tv a cabo.
14. Registra imóveis no cartório num valor abaixo do comprado, muitas vezes irrisórios, só para pagar menos impostos.
15. Compra recibo para abater na declaração do imposto de renda para pagar menos imposto.
16. Muda a cor da pele para ingressar na universidade através do sistema de cotas.
17. Quando viaja a serviço pela empresa, se o almoço custou 10 pede nota fiscal de 20.
18. Comercializa objetos doados nessas campanhas de catástrofes.
19. Estaciona em vagas exclusivas para deficientes.
20. Adultera o velocímetro do carro para vendê-lo como se fosse pouco rodado.
21. Compra produtos piratas com a plena consciência de que são piratas.
22. Substitui o catalisador do carro por um que só tem a casca.
23. Diminui a idade do filho para que este passe por baixo da roleta do ônibus, sem pagar passagem.
24. Emplaca o carro fora do seu domicílio para pagar menos IPVA.
25. Freqüenta os caça-níqueis e faz uma fezinha no jogo de bicho.
26. Leva das empresas onde trabalha, pequenos objetos como clipes, envelopes, canetas, lápis, como se isso não fosse roubo.
27. Comercializa os vales-transporte e vales-refeição que recebe das empresas onde trabalha.
28. Falsifica tudo, tudo mesmo.. só não falsifica aquilo que ainda não foi inventado…
29. Quando volta do exterior, nunca diz a verdade quando o fiscal aduaneiro pergunta o que traz na bagagem…
30. Quando encontra algum objeto perdido, na maioria das vezes não devolve.
E quer que os políticos sejam honestos?
Escandaliza-se com a farra das passagens aéreas?
Esses políticos que aí estão saíram do meio desse mesmo povo… ou não?
Brasileiro reclama de quê, afinal?


sábado, 8 de outubro de 2011

Prêmio Nobel da Paz


Hoje li o jornal com alegria. Três mulheres ganharam o Prêmio Nobel da Paz. Há tantas coisas incríveis nessas oito palavras! Alguém dá prêmios para quem se importa com a paz, desta vez as ganhadoras são mulheres, fato ainda raro no ramo das premiações, e essas mulheres se importaram a ponto de movimentar a sua comunidade, os seus países. Que dia lindo! Sinto orgulho delas e nunca as vi, e se as visse me sentiria envergonhada pela inércia de não defender a paz como elas o fazem. Outra coisa incrível é a idade dessas mulheres, Ellen Johnson Sirleaf tem 72 anos, é presidente da Libéria e tenta a reeleição. As outras duas, Leymah Gbowee e Tawakkul Karman, estão na casa dos 30, são ativistas políticas da Libéria e do Iemen. Não há limite de idade para lutar pelo que se acredita e tornar real os ideais que nos motivam. 

Ontem fui tomar café no Pier 21 com um amigo. Ele entende tudo de patisserie, confeitaria, não sei falar os nomes chiques em francês. Ficamos lá entre o Café do Ponto e o Grão Expresso, tentando decidir em qual deles ficar. Meus motivos todos muito lógicos: Eu gosto mais da poltrona do Café do Ponto, é vermelha, confortável, posso dobrar as pernas debaixo do corpo. Os dele, quase irrelevantes: Os salgados não estão frescos, esse biscoito é industrializado, o café daqui é mais encorpado. Ele venceu, coloquei a perna sobre a cadeira do Grão Expresso e saboreei um café encorpado e uma empada de carne seca muito gostosa.

O Pier 21 é um formigueiro na sexta à noite, o que me dá agonia. Mas a livraria Leitura está lá para salvar você do burburinho. Os livros tem um efeito calmante muito bom. Todas aquelas pilhas de idéias, esperando que você as descubra, tão bom tocar as capas, analisar os títulos, lembrar os autores, deixar que um deles escolha você e diga: me leva, vai, você sabe que vai gostar de mim!

Eu vi a foto de uma livraria em Buenos Aires que tem três andares e uma cafeteria. Esqueci o nome, Fábio! O Ateneu? É linda, você pode pegar livros e sentar na cafeteria e ler o dia inteiro se quiser, desde então eu sei que tenho que ir até lá. Estou revirando o google a procura de opções de pacotes, vôos, hospedagem, me aguarde Buenos Aires!!

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Café com notícias


Preciso confessar logo no início deste blog que eu sou uma pessoa de hábitos... estranhos... não muito estranhos. Por exemplo, eu tomo café da manhã no Mc Donalds. Quase todos os dias. Eu sei, eu sei, lá não é cafeteria, nem sei se a gente pode chamar de lanchonete, o pão parece um pouco emborrachado, não tem cara de Brasil, eu sei, eu sei. Mas é que eu sou fixada no copo. É gente, o copo com tampa, igualzinho aos dos agentes do FBI nos filmes de ação. Um dia comecei a ir lá, por causa do bendito copo e, pronto, nunca mais parei!

Mas eu também gosto do ambiente de manhã cedo. Tipo 7h30, 8h. É calmo, eu sento na mesa e me espalho. Levo jornal, livro, caneta. Leio o Correio Braziliense de cabo a rabo, e me deprimo todas as vezes, corrupção, violência, morte, que sina! Ser humano é gente esquisita.

Misturo o café com o leite - eu só peço separado, é mania (ou será TOC?). Só eu sei misturar meu café no leite e deixar na cor exata que o estômago aceita. Não dá pra explicar. Os garotos do balcão do Mc já me conhecem, sou quase sócia honorária. Bom, misturo o café com o leite e vou bebericando enquanto sofro com o jornal. Faço as palavras cruzadas, leio o signo, o poema, encontro os 8 erros. Presto atenção nas notícias da televisão. Pego o livro da vez e mergulho. Acho que passo uma hora, uma hora e meia nesse ritual diário. Ser humano é gente esquisita.

No começo me sentia um pouco culpada de gastar meu tempo lá. Mas essa sensação só durou até eu entender que eu preciso gastar meu tempo lá e pronto. Alguns dias, o lugar fica lotado com a garotada do cursinho pré-vestibular ou de algum colégio próximo. É uma mixórdia de sons. Garotas e garotos despejando a vida nos ouvidos alheios e nem percebem. Contam suas mágoas, o último namoro, a briga com os pais, com os professores, os pensamentos mais profundos são liberados na mesa da lanchonete, em alto e bom som - eles não são muito bons em controlar o volume - e depois da tempestade vem a bonança. As amigas que dizem que ele é um bobo e não te merece, os amigos que te dão toda razão em ficar magoado com seus pais, mas pedem calma e memória curta. Os filósofos que contagiam os outros com grandes idéias para mudar esse mundo caótico que certamente vai acabar em 2012.

Nos dias calmos, leio bastante. Meu último livro companheiro foi A RESPOSTA,  de Kathryn Stockett. Um livro magnífico e doloroso, que retrata a segregação racial nos estados do sul dos Estados Unidos. A narrativa é dividida entre 3 mulheres, duas negras, empregadas domésticas nos anos de 1960, e uma jovem branca de classe média, que cresceu em um meio onde o preconceito racial era considerado normal. O livro comove desde o início. Faz a gente sentir vergonha de ser humano e do ser humano (gente esquisita!). 

Esta semana tentei analisar o que me doía mais, ler livros como A RESPOSTA ou notícias no jornal da minha cidade, que mostram a corrupção no governo, a falta de ética e compromisso social dos deputados e senadores que nós mesmos elegemos. É engraçado como a gente sofre mais pela história que retrata a realidade dos outros do que pela nossa própria história. É preciso sofrer por nós mesmos e tentar mudar a nossa sina, ao mesmo tempo que aprendemos com a história alheia e tomamos para nós lições preciosas.

Eu fui à Marcha contra a Corrupção no dia 7 de setembro, mesmo ouvindo de muitos que essas manifestações não resolvem nada. Eu fui porque preciso me mexer. Preciso balançar os braços e dizer: ei, corrupto, não pense que você está isento e que ninguém sabe o que você fez no verão passado. Eu sei, eu anotei e não voto em você de jeito nenhum, nunca mais!! Ser humano é estranho, gente esquisita, mas ainda tem jeito!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011


Elisa Lucinda


Da chegada do amor

Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.

Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.

Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.

Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.

Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.

Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.

Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.

Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.

Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.

Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.

Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.

Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.

Sem senãos.

Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.

Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.

Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.

Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.

Sempre quis um amor não omisso
e que suas estórias me contasse.

Ah, eu sempre quis uma amor que amasse.


Poesia extraída do livro "Euteamo e suas estréias", Editora Record - Rio de Janeiro, 1999,

domingo, 2 de outubro de 2011

Bistrô Bom Demais - CCBB

14 de setembro de 2011. No menu da noite, Adélia Prado, poeta mineira maravilhosa, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), conversando com o público, lendo suas poesias, respondendo perguntas. Quando soube disso, pedi até licença pra sair um pouco mais cedo (é preciso retirar a entrada na bilheteria do CCBB uma hora antes e eu não podia perder essa conversa).

Levei alguns lenços de papel na bolsa porque com a Adélia Prado é assim, a voz dela ecoa no coração e ele responde com a lágrima, não tem jeito. A poesia que flutua entre os expectadores é tão vívida que movimenta tudo dentro da gente. A alma suspira, o espírito sente falta de ar com o impacto do que se revela diante dos nossos olhos, tão claro, tão simples, tão fácil de se perceber e eu nunca percebi antes. Porque as cenas que ela descreve são corriqueiras, do nosso dia a dia, mas ao mesmo tempo possuem um enlevo que nos faz refletir. Essa é Adélia Prado, gente, quem não conhece que corra para conhecer e se maravilhar!

Cheguei uma hora antes, peguei meu ingresso e fui tomar café no Bistrô Bom Demais. É um lugar curioso esse bistrô. A área reservada aos clientes fica em um pátio cercado por vasos de plantas, eu me sinto em um pequeno oásis. Naquela noite então, com o vento soprando na pele e expulsando o calor que insistiu em castigar o dia, só faltou o cheiro de água, de chuva, pra que a sensação de acolhimento fosse completa. A disposição das mesas dá privacidade mas também permite a sensação de estar em grupo. As pessoas se aglutinavam ao meu redor, formando bandos, quadrilhas, trios, casais, mas também havia os que se sentavam em sua própria companhia, como eu. Ilhas de pessoas que quase se esbarram, flutuando naquele mar de intelectos ávidos.

Acompanhei com atenção a celebração de um aniversário em longa mesa a minha frente. Fotos, bolo e risos. Os convivas alegres e comunicativos trocavam amenidades e se organizavam para ouvir o aniversariante que iniciou a narrativa de um livro infantil - acredito que de sua autoria. Com o livro repleto de gravuras virado para os convidados, passava as páginas e declamava o texto que já sabia de cor, numa entonação mágica, com um ar moleque estampado no rosto que já beira os 50 anos. Boné virado na cabeça, cara redonda de quem determinou que será sempre feliz, não importa como! Os sons eram entrecortados, mas o contador de histórias era tão cativante em seus trejeitos e entonações, que eu prendia a respiração tentando escutar a narrativa. Então vieram os risos, as fotos e o bolo. Quase bati palmas e cantei parabéns! Quase abracei o aniversariante!

Pedi um machiatto com chocolate branco e uma tapioca de queijo e coco. Tudo bem servido e farto. O garçom atencioso se esforçou por atender rápido a todos que pareciam se apressar para ir também alimentar o espírito com Adélia Prado:


Ensinamento


Minha mãe achava estudo 
 a coisa mais fina do mundo.
 Não é. 
 A coisa mais fina do mundo é o sentimento. 
 Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, 
 ela falou comigo: "Coitado, até essa hora no serviço pesado". 
 Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente. 
 Não me falou em amor. Essa palavra de luxo.


Com licença poética


Quando nasci um anjo esbelto, 
desses que tocam trombeta, anunciou: 
vai carregar bandeira. 
Cargo muito pesado pra mulher, 
esta espécie ainda envergonhada. 
Aceito os subterfúgios que me cabem, 
sem precisar mentir. 
Não tão feia que não possa casar, 
acho o Rio de Janeiro uma beleza e 
ora sim, ora não, 
creio em parto sem dor. 
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. 
Inauguro linhagens, fundo reinos 
(dor não é amargura). 
Minha tristeza não tem pedigree, 
já a minha vontade de alegria, 
sua raiz vai ao meu mil avô. 
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem. 
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Impressionista

Uma ocasião, 
meu pai pintou a casa toda 
de alaranjado brilhante. 
Por muito tempo moramos numa casa, 
como ele mesmo dizia, 
constantemente amanhecendo.