sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A caminhada


Dia de aniversário tem cheiro de terra molhada. Parece que a qualquer momento uma sementinha vai brotar e trazer um raminho verde à superfície da vida. Uma nova probabilidade que desponta. Já acordei com um abraço gostoso do meu filho, me dizendo que sou a melhor mãe do mundo!! Nessa era digital, em que a tecnologia alcança a tudo e a todos, já se recebe os parabéns bem cedinho, por e-mail, whatsapp, no facebook, no twitter, a gente se sente lembrado de todas as formas e por todos. Até o Google me deu parabéns! E a TAM e o Submarino e a NET SHOES, mas o melhor de tudo são as mensagens dos amigos, parentes e do namorado, dizendo que eu sou importante para eles.
Eu me lembro bem de um fato que aconteceu quando eu tinha sete anos. Fui com minha mãe à igreja, numa tarde da semana e, no meio do caminho, já voltando para casa, começou uma chuva torrencial. As ruas se alagaram em questão de minutos e ficou impossível caminhar com segurança. A enxurrada estava muito forte e eu segurei firme a mão da minha mãe. Não havia abrigos por perto e o jeito era prosseguir rápido e tentar chegar em casa. Ao tentar pular um trecho difícil, do meio fio para o asfalto da rua, perdi minha sandália, quase fui carregada, mas minha mãe me puxou rápido e firme, e saí ilesa da aventura.
A travessia da vida é assim também. A cada ano que se acrescenta na nossa ampulheta (eu sei, eu faço uma leitura às avessas, porque não vejo a areia que se escorre e o tempo que já passou. Prefiro antes pensar que, a cada ano, abre-se a tampa da ampulheta e uma nova quantidade de areia da vida é adicionada a que já existe, mais dias, mais chances, mais vida), novos desafios vão surgindo. Em dias bons, a brisa sopra e acaricia o rosto, o sol aquece de mansinho o caminho à frente, o céu azul, pontilhado de nuvens brancas, derrama paz sobre as nossas cabeças. Por vezes é preciso enfrentar ventos fortes, maré alta, noites escuras, nevascas, tempestades e enxurradas. E sair descalço mas inteiro. Com marcas, mas entendendo que "quem elegeu a busca não pode recusar a travessia", não é, Guimarães Rosa?
E toda diferença na forma de encarar a travessia, principalmente dos dias "maus", está na mão firme que nos segura. A família, os amigos, o amor, a fé. Mãos que celebram conosco os dias de sol, céu azul e brisa fresca, mas muito mais que isso, mãos que nos sustentam nas crises, que se juntam para nos proteger, que nos aquecem, consolam, segurando firme nas enxurradas.
A todos os que são MÃOS na minha vida, obrigada por existirem na minha travessia!!

sábado, 14 de dezembro de 2013

Desejos



Há alguns dias recebi uma agenda de 2014 pelo correio e um cartão com alguns desejos:


Nem uma vidinha; 
Nem um vidão; 

Simplesmente uma vida;

Plena e intensa; 

Mas não tensa. 

Com alguém para amar;
Com um ombro para chorar; 
Com momentos para brindar; 
Com grana para gastar;
Com amigos para compartilhar. 
Simplesmente uma vida; 
De erros e acertos; 
Com alguns exageros; 
De muito entendimento; 
E pouco arrependimento. 
Uma vida larga;
Sem margem, cheia de aragem; 
Para quem embarca;
Com a cara e a coragem;
Nesta maravilhosa viagem. 
São os meus votos para você. 
Boas Festas!

Apesar de dezembro ser o mês do meu aniversário, tenho dele lembranças tristes e não penso muito sobre as ditas Festas que ele traz. A falta de pessoas caríssimas e alguns eventos marcantemente tristonhos me fizeram querer que dezembro passe por mim sem me reconhecer e parar para bater um papo. Se o vejo na esquina, giro o corpo de mansinho, desvio o olhar para outro lugar e fico esperando que ele não me reconheça. Táticas de guerra!
Mas o cartão me fez parar e pensar. Talvez porque tecnicamente ele se refira ao próximo mês, ao próximo ano, janeiro de 2014. São desejos para o meu futuro, muito bons por sinal, pelos quais eu agradeço ao remetente, não poderiam ser melhores.
Já que o ano está terminando, a retrospectiva 2013 torna-se obrigatória e o balanço anual para verificar se o saldo até agora está positivo ou negativo é inevitável. Quem de nós consegue escapar dessa necessidade tão humana de se definir, se delimitar? Não acreditamos em apenas ser, precisamos comprovar com nossos bens (materiais, intelectuais, sensoriais e outros ais) o que representamos no mundo, ou pelo menos, no nosso contexto social (família, trabalho, facebook, twitter e assemelhados).
Qual é a imagem que se projeta de nós para os outros? O que demonstramos com nossas atitudes e palavras e qual o impacto disso no nosso habitat? Também reservamos um momento para a contagem do espólio anual. Como nos saímos? Quais os ganhos? Quantas perdas? Qual o nosso status quo atual?
Nossa! Fazer balanço anual cansa... a mente e o espírito. Mas, aceitando o desafio às avessas do cartão que me foi enviado, peguei lápis e papel (já aprendi que nada deve ser escrito à tinta ou lavrado no fogo, dá muito trabalho apagar depois) e tentei fazer uma colagem do meu 2013. No facebook é mais fácil, ele tem um aplicativo que faz isso por você, fuça suas fotos e postagens e escolhe as highlights (algumas não são tão "ponto alto" assim, mas paciência, o facebook sabe mais...), mistura tudo e lança um book pra você na sua página.
Meus bens atualmente se resumem a um cérebro um pouco gasto, mas ainda em bom estado; um corpo 4.6, que eu considero ser como os carros, quanto maior o número, maior a potência, melhor os acessórios e o acabamento do veículo; uma porção de bons amigos de infância, adolescência, juventude e imaturidade atual, pessoas com quem contar e que também podem contar comigo; um trabalho que eu gosto de fazer; alguns livros presos na estante porque marcaram minha história, mas que pretendo libertar em breve, passando à frente o conhecimento que me trouxe reflexões; alguns muitos erros e acertos, é claro; enfim, uma vida que eu entendo larga, mas que pode ficar melhor ainda (sempre pode) com um amor antigo que chegou de mansinho e está renovando muita coisa em mim.
Pronto, balanço feito! E a vida, que parece voejar a nossa volta, beija nossa testa em 2013 e vai seguindo rumo a 2014. Por tudo isso, só posso dizer à pessoa que mandou a agenda: "Muito obrigada pela mensagem do cartão!". E preciso mesmo fazer as pazes com dezembro, ele caprichou no meu presente de aniversário. Acho que vou convidá-lo pra tomar café, alguém aceita??


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Matar o preconceito ou morrer tentando



O João Vitor, meu filho, me fez uma proposta no domingo: "Mãe, vamos ser freeletics?" E eu fiquei olhando com cara de pastel pra ele, sem entender nada, como você deve estar agora também. Ele então me explicou que freeletics é um método de ginástica funcional alemão, em que você usa apenas o próprio corpo e cujos exercícios podem ser feitos em casa, no parque, sem necessidade de academia. A chave de tudo é que em 15 semanas seu corpo será transformado, modelado, definido, enfim, você fica sarado, com barriga tanquinho para os homens e abdomen definido para as mulheres.
Ele perdeu minha atenção na palavra "alemão", e eu comecei a divagar (coisa que faço muito): "Nossa, deve ser um método chato pra caramba, como tudo que é alemão". E me deu um clique: "Puxa, que fala preconceituosa!". Tudo bem que os alemães não são conhecidos pelo ótimo senso de humor, mas daí a dizer que TUDO deles é chato... A gente faz muito isso, né? Relativiza as coisas e cria frases incríveis e recheadas de preconceito: desde "mulher no volante, perigo constante", passando por "depois diz que é crente", ou ainda expressões como "trabalho de branco", "a cara da pobreza", até chegar em um "Isso não é coisa de homem!". 
Por vezes, observando o facebook encontro de tudo um pouco, até mesmo na minha página, e me envergonho. A mais recente forma de preconceito, bullyng ou similares são os aplicativos para dar "nota" a homens e mulheres. Eu poderia facilmente emitir uma opinião sobre os que se utilizam desses aplicativos com uma fala também preconceituosa: "É falta de ter-a-pia, ter a pia cheia de louça pra lavar". O ponto aqui é que todos se acham mais do que capacitados a julgar os outros em cada ínfimo detalhe.
Se veste roupa curta é periguete. Se é político é ladrão. Se é pastor quer o seu dinheiro. Se é velho é enjoado. Se é gay é pedófilo. Se é alemão é chato. Parece que temos sempre um alforje cheio de julgamentos de todos os tamanhos, cores e medidas, prontinhos para serem verbalizados. 
Estava lendo sobre o papa Francisco (esqueci o número, porque não sou católica) e como parece que ele sai à noite disfarçado, pelas ruas, para evangelizar os mendigos. Uma matéria legal, mostrando um lado tocante de uma "autoridade suprema", muito lindo mesmo, até você começar a ler os comentários e ver intolerância de todos os lados. Se eu fosse Deus já estaria cansado de tanta discussão inútil, tanta falação. Eu acho que vou mandar uma cartinha pra ele, perguntando se não dá pra adaptar o homem, fazendo um modelo novo que venha com um dispositivo na língua, acionado automaticamente e causando uma voz pastosa e ininteligivel toda vez que alguém tentar julgar o próximo ou o distante. Começou a falar bobagem sobre o outro, a língua fica pesada, os lábios entortam e as palavras não saem. Será que ele me contrata pra área de O&M do céu?
A vida passa tão rápido, cada ano parece mais curto e corrido, e o ser humano parece achar tempo sem fim para jogar pedra na Geni, no vizinho, no desconhecido que atravessa a rua, na garota bonita (que inveja!), no cara feio, no menino sujinho, no colega de trabalho, no marido, na mulher, enfim, em qualquer outro ser humano que não seja ele mesmo. Quanta perda de tempo!
Depois de todas essas divagações, eu aceitei o convite do meu filho e virei freeletic. Estou no segundo dia da primeira de 15 semanas. Meus músculos estão retesados, meu corpo dói como se tivesse apanhado, minhas pernas tremem e eu quero matar quem inventou esse método, mas vou aceitar o desafio, não só do método, mas principalmente de vencer a minha pré-disposição para o preconceito - alemão pode ser legal, pode até deixar seu corpo em forma - ou vou morrer tentando!! Se vocês não tiverem notícias minhas em 15 semanas, estão todos convidados para o velório!