sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A caminhada


Dia de aniversário tem cheiro de terra molhada. Parece que a qualquer momento uma sementinha vai brotar e trazer um raminho verde à superfície da vida. Uma nova probabilidade que desponta. Já acordei com um abraço gostoso do meu filho, me dizendo que sou a melhor mãe do mundo!! Nessa era digital, em que a tecnologia alcança a tudo e a todos, já se recebe os parabéns bem cedinho, por e-mail, whatsapp, no facebook, no twitter, a gente se sente lembrado de todas as formas e por todos. Até o Google me deu parabéns! E a TAM e o Submarino e a NET SHOES, mas o melhor de tudo são as mensagens dos amigos, parentes e do namorado, dizendo que eu sou importante para eles.
Eu me lembro bem de um fato que aconteceu quando eu tinha sete anos. Fui com minha mãe à igreja, numa tarde da semana e, no meio do caminho, já voltando para casa, começou uma chuva torrencial. As ruas se alagaram em questão de minutos e ficou impossível caminhar com segurança. A enxurrada estava muito forte e eu segurei firme a mão da minha mãe. Não havia abrigos por perto e o jeito era prosseguir rápido e tentar chegar em casa. Ao tentar pular um trecho difícil, do meio fio para o asfalto da rua, perdi minha sandália, quase fui carregada, mas minha mãe me puxou rápido e firme, e saí ilesa da aventura.
A travessia da vida é assim também. A cada ano que se acrescenta na nossa ampulheta (eu sei, eu faço uma leitura às avessas, porque não vejo a areia que se escorre e o tempo que já passou. Prefiro antes pensar que, a cada ano, abre-se a tampa da ampulheta e uma nova quantidade de areia da vida é adicionada a que já existe, mais dias, mais chances, mais vida), novos desafios vão surgindo. Em dias bons, a brisa sopra e acaricia o rosto, o sol aquece de mansinho o caminho à frente, o céu azul, pontilhado de nuvens brancas, derrama paz sobre as nossas cabeças. Por vezes é preciso enfrentar ventos fortes, maré alta, noites escuras, nevascas, tempestades e enxurradas. E sair descalço mas inteiro. Com marcas, mas entendendo que "quem elegeu a busca não pode recusar a travessia", não é, Guimarães Rosa?
E toda diferença na forma de encarar a travessia, principalmente dos dias "maus", está na mão firme que nos segura. A família, os amigos, o amor, a fé. Mãos que celebram conosco os dias de sol, céu azul e brisa fresca, mas muito mais que isso, mãos que nos sustentam nas crises, que se juntam para nos proteger, que nos aquecem, consolam, segurando firme nas enxurradas.
A todos os que são MÃOS na minha vida, obrigada por existirem na minha travessia!!

sábado, 14 de dezembro de 2013

Desejos



Há alguns dias recebi uma agenda de 2014 pelo correio e um cartão com alguns desejos:


Nem uma vidinha; 
Nem um vidão; 

Simplesmente uma vida;

Plena e intensa; 

Mas não tensa. 

Com alguém para amar;
Com um ombro para chorar; 
Com momentos para brindar; 
Com grana para gastar;
Com amigos para compartilhar. 
Simplesmente uma vida; 
De erros e acertos; 
Com alguns exageros; 
De muito entendimento; 
E pouco arrependimento. 
Uma vida larga;
Sem margem, cheia de aragem; 
Para quem embarca;
Com a cara e a coragem;
Nesta maravilhosa viagem. 
São os meus votos para você. 
Boas Festas!

Apesar de dezembro ser o mês do meu aniversário, tenho dele lembranças tristes e não penso muito sobre as ditas Festas que ele traz. A falta de pessoas caríssimas e alguns eventos marcantemente tristonhos me fizeram querer que dezembro passe por mim sem me reconhecer e parar para bater um papo. Se o vejo na esquina, giro o corpo de mansinho, desvio o olhar para outro lugar e fico esperando que ele não me reconheça. Táticas de guerra!
Mas o cartão me fez parar e pensar. Talvez porque tecnicamente ele se refira ao próximo mês, ao próximo ano, janeiro de 2014. São desejos para o meu futuro, muito bons por sinal, pelos quais eu agradeço ao remetente, não poderiam ser melhores.
Já que o ano está terminando, a retrospectiva 2013 torna-se obrigatória e o balanço anual para verificar se o saldo até agora está positivo ou negativo é inevitável. Quem de nós consegue escapar dessa necessidade tão humana de se definir, se delimitar? Não acreditamos em apenas ser, precisamos comprovar com nossos bens (materiais, intelectuais, sensoriais e outros ais) o que representamos no mundo, ou pelo menos, no nosso contexto social (família, trabalho, facebook, twitter e assemelhados).
Qual é a imagem que se projeta de nós para os outros? O que demonstramos com nossas atitudes e palavras e qual o impacto disso no nosso habitat? Também reservamos um momento para a contagem do espólio anual. Como nos saímos? Quais os ganhos? Quantas perdas? Qual o nosso status quo atual?
Nossa! Fazer balanço anual cansa... a mente e o espírito. Mas, aceitando o desafio às avessas do cartão que me foi enviado, peguei lápis e papel (já aprendi que nada deve ser escrito à tinta ou lavrado no fogo, dá muito trabalho apagar depois) e tentei fazer uma colagem do meu 2013. No facebook é mais fácil, ele tem um aplicativo que faz isso por você, fuça suas fotos e postagens e escolhe as highlights (algumas não são tão "ponto alto" assim, mas paciência, o facebook sabe mais...), mistura tudo e lança um book pra você na sua página.
Meus bens atualmente se resumem a um cérebro um pouco gasto, mas ainda em bom estado; um corpo 4.6, que eu considero ser como os carros, quanto maior o número, maior a potência, melhor os acessórios e o acabamento do veículo; uma porção de bons amigos de infância, adolescência, juventude e imaturidade atual, pessoas com quem contar e que também podem contar comigo; um trabalho que eu gosto de fazer; alguns livros presos na estante porque marcaram minha história, mas que pretendo libertar em breve, passando à frente o conhecimento que me trouxe reflexões; alguns muitos erros e acertos, é claro; enfim, uma vida que eu entendo larga, mas que pode ficar melhor ainda (sempre pode) com um amor antigo que chegou de mansinho e está renovando muita coisa em mim.
Pronto, balanço feito! E a vida, que parece voejar a nossa volta, beija nossa testa em 2013 e vai seguindo rumo a 2014. Por tudo isso, só posso dizer à pessoa que mandou a agenda: "Muito obrigada pela mensagem do cartão!". E preciso mesmo fazer as pazes com dezembro, ele caprichou no meu presente de aniversário. Acho que vou convidá-lo pra tomar café, alguém aceita??


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Matar o preconceito ou morrer tentando



O João Vitor, meu filho, me fez uma proposta no domingo: "Mãe, vamos ser freeletics?" E eu fiquei olhando com cara de pastel pra ele, sem entender nada, como você deve estar agora também. Ele então me explicou que freeletics é um método de ginástica funcional alemão, em que você usa apenas o próprio corpo e cujos exercícios podem ser feitos em casa, no parque, sem necessidade de academia. A chave de tudo é que em 15 semanas seu corpo será transformado, modelado, definido, enfim, você fica sarado, com barriga tanquinho para os homens e abdomen definido para as mulheres.
Ele perdeu minha atenção na palavra "alemão", e eu comecei a divagar (coisa que faço muito): "Nossa, deve ser um método chato pra caramba, como tudo que é alemão". E me deu um clique: "Puxa, que fala preconceituosa!". Tudo bem que os alemães não são conhecidos pelo ótimo senso de humor, mas daí a dizer que TUDO deles é chato... A gente faz muito isso, né? Relativiza as coisas e cria frases incríveis e recheadas de preconceito: desde "mulher no volante, perigo constante", passando por "depois diz que é crente", ou ainda expressões como "trabalho de branco", "a cara da pobreza", até chegar em um "Isso não é coisa de homem!". 
Por vezes, observando o facebook encontro de tudo um pouco, até mesmo na minha página, e me envergonho. A mais recente forma de preconceito, bullyng ou similares são os aplicativos para dar "nota" a homens e mulheres. Eu poderia facilmente emitir uma opinião sobre os que se utilizam desses aplicativos com uma fala também preconceituosa: "É falta de ter-a-pia, ter a pia cheia de louça pra lavar". O ponto aqui é que todos se acham mais do que capacitados a julgar os outros em cada ínfimo detalhe.
Se veste roupa curta é periguete. Se é político é ladrão. Se é pastor quer o seu dinheiro. Se é velho é enjoado. Se é gay é pedófilo. Se é alemão é chato. Parece que temos sempre um alforje cheio de julgamentos de todos os tamanhos, cores e medidas, prontinhos para serem verbalizados. 
Estava lendo sobre o papa Francisco (esqueci o número, porque não sou católica) e como parece que ele sai à noite disfarçado, pelas ruas, para evangelizar os mendigos. Uma matéria legal, mostrando um lado tocante de uma "autoridade suprema", muito lindo mesmo, até você começar a ler os comentários e ver intolerância de todos os lados. Se eu fosse Deus já estaria cansado de tanta discussão inútil, tanta falação. Eu acho que vou mandar uma cartinha pra ele, perguntando se não dá pra adaptar o homem, fazendo um modelo novo que venha com um dispositivo na língua, acionado automaticamente e causando uma voz pastosa e ininteligivel toda vez que alguém tentar julgar o próximo ou o distante. Começou a falar bobagem sobre o outro, a língua fica pesada, os lábios entortam e as palavras não saem. Será que ele me contrata pra área de O&M do céu?
A vida passa tão rápido, cada ano parece mais curto e corrido, e o ser humano parece achar tempo sem fim para jogar pedra na Geni, no vizinho, no desconhecido que atravessa a rua, na garota bonita (que inveja!), no cara feio, no menino sujinho, no colega de trabalho, no marido, na mulher, enfim, em qualquer outro ser humano que não seja ele mesmo. Quanta perda de tempo!
Depois de todas essas divagações, eu aceitei o convite do meu filho e virei freeletic. Estou no segundo dia da primeira de 15 semanas. Meus músculos estão retesados, meu corpo dói como se tivesse apanhado, minhas pernas tremem e eu quero matar quem inventou esse método, mas vou aceitar o desafio, não só do método, mas principalmente de vencer a minha pré-disposição para o preconceito - alemão pode ser legal, pode até deixar seu corpo em forma - ou vou morrer tentando!! Se vocês não tiverem notícias minhas em 15 semanas, estão todos convidados para o velório!


sábado, 30 de novembro de 2013

A próxima curva


Lá estava de novo. Mais alguns passos e ela chegaria na curva da estrada. Mais uma curva, mais um ano. Os passos ritmados diminuiam sempre nessa etapa da viagem, era tempo de refletir, medir o chão, olhar pra trás e relembrar. Vasculhar a bagagem e se livrar do peso morto que fazia pesar os ombros. Talvez sentar um pouco à beira do caminho e respirar bem devagar, como se algum dia ela fosse realmente compreender o significado de d-e-v-a-g-a-r. Não custava tentar.
Os sons se intensificaram ao seu redor. Quanto mais ela se esforçava para calar seus temores ou conter sua empolgação pelo que viria após a curva, mais alto podia ouvir o ritmo acelerado do coração, o ar que expelia dos pulmões e a mente em turbilhão.
Ela pediu aos pensamentos que, ao menos, se organizassem, quem sabe uma fila por ordem de tamanho, importância, qualquer coisa, desde que a deixassem... o quê, mesmo? pensar, lembrar, reviver, superar, corrigir, expurgar, entender, esquecer e finalmente prosseguir.
A curva se tornou um borrão e só então ela percebeu o rosto molhado com a chuva da alma que se expressava livremente ao passar por cada memória, ao rever rostos, falas e atitudes, suas e de outros - importantes, risíveis, ferinas, dignas de nota - que a traspassaram como raios. As lágrimas correram pelo rosto e limparam o coração, expulsando mágoas e clareando a visão. 
A curva ficou nítida novamente. Ela se ergueu, sentiu os ombros mais leves, respirou fundo o ar do fim do dia, da quase noite que se aproximava, piscou e devolveu aos olhos o brilho esperançoso e também melancólico que sempre os acompanhava. Correu as mãos pelo próprio corpo, alisando o vestido vermelho, sentindo o comichão e a curiosidade pelo que viria. Ergueu a cabeça, endireitou os passos e deixou um sorriso brincar nos lábios.
Esqueceu a fadiga, lançou um último olhar para trás e retomou a caminhada, usando o ritmo dos pés para embalar os planos que teimavam em sussurar em seus ouvidos. Agora era seguir adiante, cantarolando a música da vida que se desdobrava a sua frente.
E do nada surgiu de mansinho uma vontade louca de correr!





quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Um café e um amor, por favor!

Hoje cedo cometi meu primeiro pecado capital, após uma estadia de 10 dias em um spa. Fui tomar café no McDonalds, com pão na chapa, sem um pingo de culpa. Faço isso sempre, quer dizer, fazia constantemente, e depois de um longo e tenebroso inverno, voltei hoje.
Tudo começou com o copo do McDonalds. Sabe como é, aquele copo com tampa plástica e um furinho para sorver o café. Também tem um protetor, um tipo de cinto de papelão, em volta do copo que protege a mão do calor. Mas a verdade é que sou viciada no café, quer dizer, no copo do McDonalds porque ele me lembra aqueles filmes do FBI, em que todos tomam café num copo desses e conseguem resolver todos os crimes.
Eu fico lá, sentada numa mesa com sofá de lanchonete, segurando aquele copo, bem compenetrada, sorvendo em goles pequenos o café com leite e me sentindo uma verdadeira detetive, superinteligente. Observo o lugar com calma, arquivando mentalmente as expressões faciais, as palavras soltas, as cenas do cotidiano que me rodeiam. Algumas pessoas são tão sérias de manhã que fico imaginando como chegam ao final do dia. É sempre divertido assistir o show de vida que as crianças oferecem. Elas são sempre espontâneas, encantadas com o simples, é revigorante de se ver.
Frequento o McDonalds a pelo menos 3 anos, mas apenas no café da manhã. Algumas vezes, não parece que meu dia começou, até que eu passe por lá. Em todo esse tempo, cataloguei alguns rostos que se tornaram familiares, mas há um casal que me encanta. Eles estão sempre lá, juntos, tomando café da manhã. Um senhor e uma senhora de pelo menos 60 anos. Sentam-se sempre na mesma mesa. Ela traz o jornal, ele faz o pedido no balcão e traz para a mesa. Eles tomam o café, comem o pão e, pasmem, conversam e sorriem um para o outro, todos os dias, durante os 3 anos que presencio o comportamento deles.
Algumas vezes gargalham, lembrando casos de família, ou comentam as notícias do jornal. Não falta assunto, nem bom humor. Ele tem uns olhos atentos que se fixam na sua companheira, escutando o que ela diz com muita atenção, reconhecendo com prazer a alegria de estar com essa mulher. E ela corresponde a tudo, repousando a mão na dele e concordando com algo que ele disse.
Acho os dois um fenômeno. Em pleno século XXI, em que o divórcio é comum e os homens (e até mesmo as mulheres) estão sempre procurando uma maneira de "parecer" solteiros, é insólito ver um casal junto por tanto tempo, com tal nível de intimidade e entendimento um do outro. É milagroso, na verdade. Conheço mais uma dúzia ou um pouquinho mais de casais que podem ser colocados nessa categoria, que confirmam a possibilidade de que o amor pode vencer o tédio, o cansaço, as adversidades, os defeitos e, principalmente, o tempo, que pode ser um carrasco de um relacionamento.
Não vou voltar tão cedo ao McDonalds, estou fugindo de pão na chapa (pelo menos por uns tempos, nunca diga nunca), mas sei que quando voltar, eles vão estar lá, na mesma mesa, repartindo o café, o jornal, a conversa e a vida.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Uma coruja vermelha

Cada dia que passa eu fico mais certa de que qualquer hora vou virar coruja. Essa ave enigmática e que parece estar sempre observando o mundo e refletindo sobre ele. Fui de novo para o spa de Uberlândia (terceira vez esse ano, um recorde) e encontrei uma coruja vermelha. Linda, graciosa, valente protegendo sua casa e suas crias, um show. Não consegui nem mesmo tirar uma foto, porque era só chegar um pouquinho mais perto e ela voava e se escondia no meio do mato. Aqueles olhos enormes me encarando. Talvez na próxima eu consiga me aproximar.

Digo que vou virar coruja porque acho que é um passinho de nada. Afinal, elas são tão parecidas com as mulheres, cheias de mistério, símbolos da reflexão, da sabedoria, girando a cabeça em todas as direções e observando a tudo e a todos. 

Como eu sempre digo, o spa é um lugar altamente democrático, onde as pessoas se mesclam independente de berço, cor, conhecimento, posses. Aprendo sempre ali que passar fome emagrece e que as pessoas querem mesmo é ser ouvidas. Contar suas lidas e histórias e ouvir dos outros o incentivo, o conselho, a solidariedade, ou mesmo o silêncio amigável já é estimulante.

Minha amiga torturada da vez foi a Gláucia (mas ela já conhecia o spa e não faz nem cara de sofrimento). A gente se conhece desde a infância, 7 ou 8 anos. Estudamos juntas na adolescência (bom, eu estudava, rsrs) e foram muitos os dias em que caminhamos juntas para o colégio, rindo e contando histórias, ou inventando outras com a nossa imaginação fértil.

A gente não se via a um tempão (não vou dizer quantos anos porque os matemáticos de plantão vão me chamar de velha e eu sou apenas antiga), basta dizer que casamos, tivemos filhos e eles já cresceram, separação, divórcio, vida que segue, e só agora nos reencontramos. Mas o reencontro fez parecer que foi ontem a nossa despedida, um tchauzinho, até amanhã. A amizade é a mesma, as risadas e brincadeiras também, as histórias são mais longas e os filhos estão sempre nelas, e as lendas que nós criamos são impagáveis. Foi uma estadia muito boa e deu até pra colocar o papo em dia, quando ela não estava dormindo ou eu correndo (é mais ou menos como uma lebre e uma tartaruga amigas). 

Mas ela é a tartaruga mais bonita e atraente que eu já vi. Cantora, compositora, poeta, um espetáculo. E eu sou uma lebre mandona que ela aguenta com uma carinha tão boa (pensando com os seus botões: cadê o botão de DESLIGA???). No final, dá tudo certo. Ela dorme, eu corro, a gente sai, passeia, se diverte e volta rindo. 

Fiz novas e boas amizades. Ouvi e contei histórias, recebi conselhos, ensinei do meu jeito desajeitado algumas delas a correr no parque, outras apenas torturei (rsrs), mas a lembrança de todas vou guardar com muito carinho. Tem jeito melhor de passar fome?? Melhor que isso só quando eu virar coruja...

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O essencial x o supérfluo

Esses dias de folga estão me fazendo bem e mal. É muito legal não me preocupar com o relógio a maior parte do dia, e correr apenas por diversão, sem pensar nas responsabilidades do trabalho. Por outro lado, a gente fica com tempo livre para pensar (ô tormento!!) na vida e o senso crítico vai se exacerbando. 
Estava correndo no parque e ouvindo rádio no celular - esses aparelhinhos são fantásticos, tô procurando um que lave e passe e dobre lençol de elástico - e ouvi uma propaganda que eu considerei tão esnobe, tão supérflua, tão... tão... Era sobre um shopping da cidade e a mulher ia comentando uma lista e dizendo que estava com a vida resolvida porque conseguiu fazer tudo nesse shopping: malhar, comprar sapatos, um vestido novo, almoçar em um restaurante caríssimo etc. Achei surreal e pedante.
Não que o supérfluo passe longe de mim - Quem me dera ser imune! - aliás, eu tenho uma verdadeira atração fatal por ele, eu admito. Mas pensar que um cérebro humano, inteligente, dedicado, passou horas pensando em uma propaganda que exalta o consumismo e as desigualdades sociais é deprimente. Dá angústia. 
Em meados de outubro fui a Anápolis com um amiga para visitar outros amigos muito muito queridos e participar de um evento de uma instituição que abriga crianças. Tenho uma amiga linda, por dentro e por fora, que trabalha lá. Ela estava inclusive muito tristonha pois ia se mudar e deixar as crianças. Fui cedinho tomar café com ela e estacionei o carro no pátio do instituto (não se chama mais orfanato, acho que nem mesmo instituto, mas foi assim que conheci esse local há mais de 20 anos) e sai procurando a casa dela. Um grupo de meninas me cercou, garotinhas de 6 anos pra baixo, que acordaram cedo com a animação do aniversário do local e já estavam esperando as visitas. Elas se ofereceram para me "guiar" até a minha amiga. Uma delas, Gabriela, de 3 anos, segurou firme a minha mão, e não soltou mais. Chegamos à casa da Dani e ela firme, segurando minha mão com seus dedinhos finos, se encostando e querendo atenção. Eu conheço esse sentimento, já convivi com ele em um outro orfanato quando era criança.
É um desejo de pertencimento. De ser visto pelo outro, pelo adulto, de ser reconhecido e, principalmente, amado. A mão pequena me pedia colo, abrigo, atenção. Durante as comemorações, eu a vi com outros adultos, buscando abraços e se aninhando no colo das "tias", mexendo em seus cabelos, passando a mão em seus rostos. É o essencial se manifestando no ser humano. Pedindo licença para existir e ter lugar. Ninguém é uma ilha. 
Na semana passada fui a Salvador. Cidade incrível, com um povo lindo, de sorriso fácil e sotaque que embala. Fazendo o tour dos pontos turísticos, constatei como as praias são lindas, a fotografia que harmoniza um céu azul de nuvens brancas, um mar límpido esverdeado, a praia ou um gramado de um verde intenso e coberto de palmeiras. É deslumbrante. Passamos pelas obras de caridade da Irmã Dulce e novamente o essencial bateu nas minhas costas. A dedicação daquela pequena grande mulher em abrigar os pobres e desamparados, a estrutura criada em um hospital totalmente financiado pelo SUS, a emoção da guia ao narrar a vida dessa freira corajosa e dedicada. Não sou católica e isso não importa. A visão do essencial dessa mulher me atingiu como uma lufada de vento fresco no calor de 30 graus de Salvador.
Ontem a noite passei horas "brincando" com amigos no facebook com a charada da girafa. Todo mundo mudando sua foto de perfil e procurando girafas engraçadas ou elegantes para representá-los. O supérfluo é engraçado, atraente, bem apessoado e provavelmente faz academia. Ele é quase irresistível! Fiquei pensando em como seria bom usar toda essa energia para resgatar o essencial. Conclamar os amigos para se engajar em uma causa nobre, lembrar a todos que temos tanto enquanto outros têm tão pouco. Porque é fato que o essencial é mal alimentado, raquítico e mal vestido, ele não se apresenta bem aos nossos olhos e só merece nossa atenção em raras ocasiões, como quando surge uma licença de 30 dias e o tempo é propício para se pensar.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O palhaço e a astronauta

Estou de férias. É uma sensação boa saber que, pelos próximos 30 dias, posso dedicar as 24 horas do dia a mim mesma, ou pelo menos a outras coisas que não estão sob o rótulo TRABALHO no meu dia a dia. Mesmo a rotina de casa não tem urgência. A louça se acumula na pia e eu resisto bravamente ao bichinho do TOC que me cutuca por dentro e repete como um carma: "arruma, arruma, lava, lava". Deixo ele falando sozinho e vou pro parque correr na chuva, vou almoçar na casa de uma amiga, abro um livro e me esparramo no sofá, viajando muitas milhas.
Ontem fui ao cinema. Vi a dica do filme GRAVIDADE no facebook de um amigo e quis conferir essa perfeição técnica que estavam comentando. Além disso, filme com a Sandra Bullock e o George Clooney não pode ser ruim. 
Parei no sinaleiro, esperando a luz verde, e vi o palhaço. A fantasia era novinha, muito bem feita, colorida e com uma estampa de bom gosto. A peruca azul brilhando ao sol, um laço no alto da cabeça. Ele ia de carro em carro, fazendo reverências para as janelas escuras e fechadas que pareciam dizer: "Não enche!". Trazia nas mãos uns pirulitos vermelhos de coração e o sorriso era tão espontâneo que ganhou o meu. Abri mais o vidro (ele está sempre aberto para horror das minhas amigas que andam comigo e preferem o ar condicionado, que eu não suporto, e a falsa segurança da janela erguida, que eu não adoto) e estiquei o braço com uma moeda na mão. 
Ele veio gingando, com os sapatos gigantes, mas antes de estender a mão para pegar a moeda, estendeu-me o rosto alegre e sorridente e me desejou felicidades. Também me ofereceu dois pirulitos pela moeda coletada, mas eu disse que não precisava, porque não era uma compra, era uma troca, e do meu ponto de vista, eu ofereci muito pouco e ganhei muito com o sorriso de um idoso esperançoso que encontrou um jeito criativo de "sobreviver" nesse mundo de mazelas.
O filme era mesmo muito bom. A técnica de filmagem espelhava com perfeição o espaço, a falta de som, de gravidade. Mas o que realmente me fez segurar o fôlego uma boa parte do filme foi o instinto de sobrevivência, a força que se manifesta no ser humano em momentos extremos, de incrível perigo e em condições que poderiam ser insuportáveis, mas que nos fazem tomar a decisão de viver, de resistir a tudo, e a tudo combater para permanecermos vivos. 
Encontrei dois heróis em um só dia, quem diria, uma aspirante a astronauta e um palhaço que distribui sorrisos no sinaleiro! Que dia de sorte!