domingo, 11 de dezembro de 2011

Com partes de mim eu formo um ser atônito

Ontem à noite fui ao CCBB ouvir a Cássia Kiss declamar Manoel de Barros. A gente tem de chegar uma hora antes para pegar o ingresso na bilheteria. Fui com duas amigas e depois de pegar os ingressos fomos tomar café no Bistrô Bom Demais. Tapioca com queijo coalho e coco e um machiatto com dose dupla de expresso. 
No galpão, sentamos em cadeiras dispostas em círculo e esperamos a apresentação. Quando a atriz começou a declamar, magnificamente por sinal, esqueci a cadeira e deitei em uma rede disposta entre duas árvores, lá no quintal da casa de Manoel de Barros, pertinho do rio, com suas rãs, pedras e limo. Balancei devagar, com uma perna dobrada dentro da rede e o pé descalço, arrastando-se pela grama orvalhada, dando impulso ao balançar. O vento soprava de leve e eu me senti acalentada no colo da poesia.
"Me procurei a vida inteira e não me achei - pelo que fui salvo", ouvi Manoel confessar e pensei que também me sinto assim a maioria dos dias. À noite, a história é outra, como ele, "uso a palavra para compor meus silêncios". Pus o pé no chão parando a rede e procurei o dono da voz. Manoel estava sentado em uma cadeira de balanço, pertinho da minha rede, com um sorriso largo, bonito, olhando para mim como se eu fosse pedra, rã, lesma, árvore, como se eu fosse desimportante. "Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes", ele me disse solene. Devolvi o sorriso, agradecendo toda aquela atenção, tão boa, tão profunda, tão bem-vinda. 
As palmas da platéia para a Cássia Kiss, muito merecidas por sinal, me recolocaram na cadeira. Peguei a bolsa e a jaqueta jeans, passei os dedos nos cabelos despenteados pelo vento e calcei as sandálias, saindo do galpão meio andando, meio flutuando. Noite boa, com cheiro de mato molhado! Obrigada, Cássia! Um beijo, Manoel!


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