Eu cresci frequentando a Escola Dominical de igrejas tradicionais protestantes. Um dos primeiros salmos que decorei foi o 23. "Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum". Também na igreja, ouvi certa vez um hino cantado em dueto do qual nunca me esqueci e que sempre traz um acalanto nos momentos tristes. "A sombra da noite se aproxima e nela o tentador vai chegar. Não, não me deixes só no caminho. Ajuda-me, ajuda-me até chegar" (Divino Companheiro - Renato Suhett).
Esse hino faz alusão a passagem bíblica do Caminho de Emaús. Depois da morte de Jesus, dois discípulos caminhavam perdidos em sua tristeza e encontraram um desconhecido que andou com eles por muito tempo. Um dos discípulos relatou que seu coração ardia como se reconhecesse seu mestre.
Normalmente, meu assunto no blog é café. Sabores, cheiros, misturas, locais preferidos. Hoje preciso falar dessa sombra que se avizinhou e me trouxe mais um aprendizado.
Eu estava em Uberlândia no período de carnaval e na terça-feira à tarde, já pensando na viagem de volta, recebi um telefonema do meu filho. Ele me pediu pra manter a calma e que tudo estava bem, mas queria me avisar que tinha sido assaltado.
Saiu de casa com 2 amigos, por volta da hora do almoço, para comprar alguma coisa no supermercado que fica a poucos metros do nosso prédio. Sol a pino, quase chegando na esquina da rua, sete garotos (não tinham mais que 17 anos) ensandecidos, com garrafas quebradas, cercaram os 3 e exigiram seus pertences. Um deles atacou meu filho com a garrafa quebrada e, para não sofrer um golpe certeiro no peito, ele se defendeu com a mão. Esses detalhes eu só soube quando já tinha chegado em casa, mas ele me ligou de um hospital e isso fez meu coração bater pesado no peito.
Quem me conhece sabe que eu lido com as dificuldades com muita firmeza. Qualquer sentimento que me assalta passa por um processamento. Eu fico quieta, tentando domar aquelas sensações e entender o que está se passando. Não demonstro fácil minhas fraquezas (outra fraqueza, talvez). E assim foi com essa notícia. Por dentro, uma tormenta se formava, por fora, tentei manter a serenidade.
Acredito também que a fé é uma ferramenta poderosa nessas horas. O fato de me saber impotente, distante da pessoa que me é mais cara no mundo em um momento de sufoco, poderia facilmente me debilitar ao ponto de me sentir incapaz de dirigir 550 km para voltar para casa. Seria com certeza, e acho que todos concordam, um motivo mais que razoável para lágrimas (que me visitaram depois, quando já tinha posto minhas mãos no João Vitor) e comoção.
Daí lembrei do Salmo 23 e a música do Caminho de Emaús tocou na minha mente e me acalmou o espírito. Vim dirigindo com certa ansiedade sim, mas entendendo a cada quilômetro que o meu filho estava vivo, motivo de alegria e agradecimento, e que é preciso se manter firme para atravessar a escuridão e esperar o nascer do sol.
Ajuda muito sentir o coração arder com a presença reconfortante do Mestre.